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sábado, 26 de maio de 2012

O Mito de Narciso em: Oscar Wilde e Machado de Assis

"E sem dúvida o nosso tempo...prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... "(Feuerbach)

O objetivo deste ensaio é aproximar a obra do escritor irlandês de língua inglesa Oscar Wilde com a obra do escritor brasileiro Machado de Assis.
Para este feito iremos comparar o romance: "O Retrato de Dorian Gray" (Oscar Wilde); com o conto "O Espelho" (Machado de Assis). E nosso foco vai de encontro onde as duas obras de confrontam: "O Narcisismo" embutido em ambos os personagens centrais: Dorian Gray e Jacobina.

 Oscar Wilde (1854-1900) É uns dos grandes escritores da íngua inglesa, escreveu várias obras importantes da literatura universal. Com suas atitudes iconoclastas e anti-convencionais escandalizou o mundo literário de sua época. Oscar Wilde imaginou levar a vida como se fosse uma obra de arte. Para ele só a beleza contava.  Nascido em Dublin, na Irlanda, em uma família meio inglesa e meio irlandesa, Wilde foi, com sua estética e sua vida elegante, um dos mais aclamados autores teatrais e uma celebridade no fim do período vitoriano, na Inglaterra do século 19. Wilde levou uma vida de celebridade no velho continente, porém morreu amargurado no exílio na França. Mas esta parte de sua história não nos interessa neste momento, pois sua arte transpassa a linha do tempo, e ainda hoje nos provoca!


Machado de Assis (1839-1908) Na verdade Joaquim Maria Machado de Assis. Filho de Francisco José de Assis, um mulato pintor de paredes, e de Maria Leopoldina Machado, uma lavandeira açoriana, Machado de Assis passou a infância na chácara da família Barroso, no bairro do Livramento. Aos quinze anos de idade, Machado já transitava do subúrbio até a cidade, publicada alguns versos na Marmota Fluminense e frequentava a Sociedade Petalógica. Trabalha como jornalista e, a partir de 1860, inglesa no funcionamento público. Em 1869, casou-se com Carolina Augusta Xavier, portuguesa. Nomeado diretor do Diário Oficial, não viu diminuídas suas dificuldades financeiras, tanto que continuou a colaborar na imprensa. Paralelamente a sua carreira publica, tornou-se um escritor admirado e respeitado, ajudando a fundar, em 1896, a Academia Brasileira de Letras, da qual foi eleito primeiro e perpétuo presidente. Das muitas contribuição de Machado de Assis, a mais importante sem dúvida é a de colocar a nossa literatura no mapa mundial literário. Não estamos desmerecendo os outros escritores do nosso país, porém assim como há uma música antes de Bach e outra depois de Bach, na literatura brasileira acontece algo semelhante. Machado de Assis é o maior escritor brasileiro de todos os tempos, e suas obras até hoje perdura em nossa existência. Seus temas vem do cotidiano. É do dia a dia da rua, do passeio público, que as coisas vem surgindo. Sua linguagem atribui reúne elaboração e simplicidade, além de colocar o leito incluso nas suas obras. E claro, não podia faltar a sua ironia. Com tantas qualidades, sem dúvida Machado de Assis é um dos grandes cânones da literatura Mundial. 

Para dar continuidade em nosso ensaio, daremos uma pequena apresentação do tema "Narcisismo". Lógico que não podemos abrir mão do mito de Narciso.

O Mito de Narciso
Narciso era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope, e era um jovem de extrema beleza. Porém, à despeito da cobiça que despertava nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecedora do seu amor. E foi justamente este desprezo que devotava às jovens a sua perdição. Pois havia uma bela ninfa, Eco, amante dos bosques e dos montes, companheira favorita de Diana em suas caçadas. Mas Eco tinha um grande defeito: falava demais, e tinha o costume de dar sempre a última palavra em qualquer conversa da qual participava. Um dia Hera, desconfiada - com razão - que seu marido estava divertindo-se com as ninfas, saiu em sua procura. Eco usou sua conversa para entreter a deusa enquanto suas amigas ninfas se escondiam. Hera, percebendo a artimanha da ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma só palavra por sua iniciativa, a não ser responder quando interpelada.


Assim a ninfa passeava por um bosque quando viu Narciso que perseguia a caça pela montanha. Como era belo o jovem, e como era forte a paixão que a assaltou! Seguiu-lhe os passos e quis dirigir-lhe a palavra, falar o quanto ela o queria... Mas não era possível - era preciso esperar que ele falasse primeiro para então responder-lhe. Distraída pelos seus pensamentos, não percebeu que o jovem dela se aproximara. Tentou se esconder rapidamente, mas Narciso ouviu o barulho e caminhou em sua direção:
- Há alguém aqui?
- Aqui! - respondeu Eco.
Narciso olhou em volta e não viu ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele, e quem era a dona daquela voz tão bonita.
- Vem - gritou.
- Vem! - respondeu Eco.
- Por que foges de mim?
- Por que foges de mim?
- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!
- Juntar! - a donzela não podia conter sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.
Narciso, vendo a ninfa que corria em sua direção, gritou:
- Afasta-te! Prefiro morrer do que te deixar me possuir!
- Me possuir... - disse Eco.
Foi terrível o que se passou. Narciso fugiu, e a ninfa, envergonhada, correu para se esconder no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. Evitava o contato com os outros seres, e não se alimentava mais. Com o pesar, seu corpo foi definhando, até que suas carnes desapareceram completamente. Seus ossos se transformaram em rocha. Nada restou além da sua voz. Eco, porém, continua a responder a todos que a chamem, e conserva seu costume de dizer sempre a última palavra. Não foi em vão o sofrimento da ninfa, pois do alto, do Olimpo, Nêmesis vira tudo o que se passou. Como punição, condenou Narciso a um triste fim, que não demorou muito a ocorrer.
Havia, não muito longe dali, uma fonte clara, de águas como prata. Os pastores não levavam para lá seu rebanho, nem cabras ou qualquer outro animal a frequentava. Não era tampouco enfeada por folhas ou por galhos caídos de árvores. Era linda, cercada de uma relva viçosa, e abrigada do sol por rochedos que a cercavam. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede.


Narciso debruçou sobre a fonte para banhar-se e viu, surpreso, uma bela figura que o olhava de dentro da fonte. "Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é belo!", disse, admirando os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os de Apolo, o rosto oval e o pescoço de marfim do ser. Apaixonou-se pelo aspecto saudável e pela beleza daquele ser que, de dentro da fonte, retribuía o seu olhar.
Não podia mais se conter. Baixou o rosto para beijar o ser, e enfiou os braços na fonte para abraça-lo. Porém, ao contato de seus braços com a água da fonte, o ser sumiu para voltar depois de alguns instantes, tão belo quanto antes.


- Porque me desprezas, bela criatura? E por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as ninfas me amam, e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também tu sorris, e responde com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços, fazes o mesmo para então sumires ao meu contato.


Suas lágrimas caíram na água, turvando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:


- Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te.
Assim Narciso ficou por dias a admirar sua própria imagem na fonte, esquecido de alimento e de água, seu corpo definhando. As cores e o vigor deixaram seu corpo, e quando ele gritava "Ai, ai", Eco respondia com as mesmas palavras. Assim o jovem morreu.
As ninfas choraram seu triste destino. Prepararam uma pira funerária e teriam cremado seu corpo se o tivessem encontrado. No lugar onde faleceu, entretanto, as ninfas encontraram apenas uma flor roxa, rodeada de folhas brancas. E, em memória do jovem Narciso, aquela flor passou a ser conhecida pelo seu nome.

E este fascínio pela imagem é visto no conto de Machado de Assis o "O Espelho":
A história de Jacobina (protagonista do conto) é curiosa: depois de ser nomeado alferes, a tia pede que ele a visite em sua fazenda e que não esqueça de levar a sua farda. Lá, todos os dias, Jacobina, veste a farda e se observa em um espelho antigo: " era a melhor peça da casa" . Em seguida a tia precisa se ausentar da propriedade . Os escravos aproveitam e fogem. Então, o alferes se vê sozinho. Fica nervoso, acabrunhado, como mal. Logo em seguida olha-se no espelho sem a farda e se assusta: enxerga uma figura "vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra". É a alma exterior, que para Jacobina se resume em uma farda de alferes. Privado dela, o protagonista não vive mais. Precisa dela. Precisa desta imagem para se encontrar no mundo. Segundo o crítico Antonio Candido, a força do conto "vem da utilização admirável da farda simbólica e do espelho monumental no deserto da fazenda abandonada, construindo uma espécie de alegoria moderna das divisões da personalidade e da relatividade do ser"...
-"O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade"


Na Obra "O Retrato de Dorian Gray, considerada a obra mais intrigante de Wilde,  tem como ponto de partida a relação entre o jovem Dorian e seu retrato, feito pelo pintor Basil. Certo dia, Dorian expressa a vontade de não envelhecer, como seu duplo no quadro. A partir de então, quem envelhece é o retrato, o que não torna mais simples a vida do jovem, que passa a desenvolver relações violentas tanto com as pessoas que o cercam quanto com o próprio retrato. Todos os seus crimes são expostos no seu retrato.
Quando o personagem Lord Henry afirma a Dorian que  "o tempo tem-lhe inveja e faz guerra aos seus lírios e suas rosas". Em Dorian abre-se a mais dolorosa ferida do ser humano: a efemeridade de sua existência. Lord Henry é o personagem que trás a inquietação em Dorian.
Vocês devem está perguntando onde o Narcisismo entra na história.
Dorian Era um jovem como afirma Basil: "a bela aparência de Dorian Gray: são dons dos deuses" (pag.17)
Depois do retrato pintado, Dorian Olhou-o e:
"A noção de sua beleza dominava-o como uma revelação" (pag.35)

E assim como Narciso, Dorian encanta-se e se apaixona-se pela própria imagem, e em função da mesma passa a viver
Deseja viver para sempre com aquele rosto juvenil:

"-Que tristeza!- murmurou Dorian.- Que tristeza!- repetiu, com os olhos cravados na sua efígie- Eu vou ficar velho, feio, horrível. Mas este retrato se conservará eternamente jovem. Nele, nunca serei mais idoso do que neste dia de junho... Se fosse o contrário! Se eu pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!... Por isso, por esse milagre eu daria tudo!Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar em troca. Daria até a alma!" (pag. 36)

E é o que acontece. Depois disso Dorian vive uma vida de libertinagem, cometendo todos os pecados. E:

"Estava cada vez mais enamorado da sua própria beleza, mais e mais empenhado em corromper a sua própria alma" (pag.123)

Dorian, pouco a pouco foi transformando. Foi perdendo a sua essência bela. Como nas palavras de Basil:

"-Que horror, Dorian! Alguma coisa o transformou completamente. Por fora, voce Ainda é o belo rapaz que, não faz muito, ia ao meu estúdio e posava diariamente para o seu retrato: um rapaz simples, afetuoso, sem afetação. A criatura mais inocente deste mundo. Agora, não sei o que lhe sucedeu. Fala como se não tivesse coração, como se desconhecesse a piedade. " (pag.107)


Não contaremos o final da história, para o interessados fica aqui uma dica de ótima leitura. Um livro imperdível!
Narciso, Dorian e Jacobina carregam em si uma atitude que praticamente todos os humanos possuem.  A preocupação pela imagem. Uns até transformam essa preocupação em um orgulho. Vivem apenas pela imagem. O que importa é a aparência. A alma fica por segundo plano. 
E realmente ainda vivemos na "Sociedade do Espetáculo" que um dia foi descrita pelo filósofo francês Guy Debord, onde este critica essa sociedade mediada por imagens;


"o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana -isto é, social- como simples aparência" (pag.16) e:

"Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico" (pag.18)


E para finalizar nada mais intrigante do que a afirmação de Oscar Wilde no Prefácio da obra:


"...A alma é uma realidade terrível. Pode ser comprada,
vendida, barganhada, intoxicada ou aperfeiçoada.
Há uma alma em cada um de nós. Eu sei"






3 comentários:

  1. Linda explanação,bem criteriosa e eivada de belos trechos filosóficos e intrigantes.Fiquei com a nítida impressão de que ainda passamos muitas horas, perdidos em olhar a imagem física e quase não dedicamos tempo para observar e aprimorar a imagem interior.E penso que quanto mais sábio for o homem, mais humilde deve se tornar, porque só na humildade mora a sabedoria.
    O arrogante ,autoritário,prepotente,nãopode se deliciar com os sentimentos mais puros do mundo interior.E saber não é acumular conhecimentos. Lutar para transmití-los, levar outras pessoas a uma visão real do mundo, onde a solidariedade seja a mola mestra, deve ser nosso empenho.E o narcisista perde o trem dos verdadeiros sentimentos : amizade,amor,compaixão,dedicação.
    Muito profundo o texto comparativo. No mundo da tecnologia,onde corremos mais que a máquina,como adquirir a necessária tranquilidade para ser um espelho ,verdadeiro,interiormente, para nosso semelhante? Como resgatar a nós mesmos?

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  2. Parabéns, já és um espelho de dedicação e informação para teus seguidores. Conserva a imagem de teu espelho interior,que só podes ver com o sentimento, conserva-o limpido como limpidas são tuas palavras.

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  3. Maravilhosa contribuição!!! Senti a enorme semelhança entre as duas obras dias atrás, quando li O espelho, por interesse e por minha profissão. Agora, mais que indícios, tenho subsídios para trabalhar a intertextualidade que perpassa as duas riquezas. Grata, muito grata!!!

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