Dia 1 de maio! Dia do trabalhador! Em meios a tantas festas, com tantos artistas, em tantos lugares... Preferi a solidão! Diante de minha coleção de filmes escolhi um: "Tempos Modernos". - "Um filme preto e branco na era do cinema 3D?". - "Escolha esquisita!". Estas foram as palavras de minha irmã.
Passando a primeira cena do filme, ela que debochou de minha escolha, fixada com seus olhos na tela, deixou apenas fugir esta afirmação: - "Nossa, como é atual este filme!"
Em tantas cenas, minha mente não deixava de vagar em um livro: Homens e Engrenagens do escritor argentino Ernesto Sábato. Na mesma hora, aproximei as duas linguagens: o cinema e a literatura como forma de junção em um ensaio que apresento a vós, leitores inconformados!
Este ensaio tem como objetivo aproximar a obra literária "Homens e Engrenagens" (Ernesto Sábato), com o filme "Tempos Modernos" (Charlie Chaplin). Nosso exercício será trabalhar o cinema mudo de Chaplin, imaginando-o, com legendas nas cenas. A voz de Ernesto Sábato será nossa guia nesta difícil tarefa. Vamos trabalhar apenas as fotografias do filme. Selecionadas com cuidado dentro de cada cena.
VOILÀ!
Ernesto Sábato (1911-2011) foi um romancista, ensaísta e artista plástico argentino. É considerado um dos maiores escritores argentinos do século XX. Sábato afigura-se como ideólogo da geração de 1940, constituída de poetas neo-simbolistas e metafísicos. Afasta-se do mundo da razão, da ciência, para explorar o universo da conjectura, onde domina a incerteza e a incoerência.
Em seu livro (provocador) Homens e Engrenagens, Sábato trás a tona reflexões sobre o dinheiro, a razão e a derrocada de nosso tempo. (Imperdível a leitura!). O livro é composto por cinco capítulos, e dentro destes capítulos existem vários ensaios. Nos deteremos apenas no ensaio "O Paraíso Mecanizado". Para compor a apresentação do livro nada mais justo do que o próprio escritor justificando-o:
"Refleti muito sobre o título e a qualificação que deviam portar estas páginas. Não creio que seja muito desacertado tomá-las como uma biografia espiritual, como diário de uma crise -e ao mesmo tempo pessoal e universal- como um simples reflexo da derrocada da civilização ocidental em um homem meio a um vasto caos de seres e coisas...Estas reflexões não formam um corpo sistemático, são expressão irregular de um homem de nosso tempo que se viu obrigado a refletir sobre o caos que o rodeia. E se as refutações de teorias e pessoas são muitas vezes violentas e ásperas, tenha-se presente que essa violência se exerce igualmente contra antigas ilusões minhas, que sobrevivem como letra morta, em algum livro, à sua morte em meu próprio espírito; às vezes, sobrevivem até mesmo à sua almejada morte.
Porque também podemos almejar nosso equívocos"
Charlie Chaplin (1889-1977)É considerado por alguns críticos o maior artista cinematográfico de todos os tempos, e um dos "pais do cinema". Chaplin foi um dos atores mais famosos da era do cinema mudo, notabilizado pelo uso de mímica e da comédia pastelão. Charlie Chaplin atuou, dirigiu, escreveu, produziu e financiou seus próprios filmes.
Por sua inigualável contribuição ao desenvolvimento da sétima arte, Chaplin é o mais homenageado cineasta de todos os tempos, sendo ainda em vida condecorado pelos governos britânico (Cavaleiro do Império Britânico) e francês (Légion d 'Honneur), pela Universidade de Oxford (Doutor Honoris Causa) e pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos (Oscar especial pelo conjunto da obra, em 1972).
E como nas palavras de Charlie Chaplin:
"Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação".
Então vamos ver até onde nossa imaginação pode alcançar...
"Os meios se transformaram em fins. O relógio, que surgiu para ajudar o homem, converteu-se hoje em um instrumento para torturá-lo. Antes, quando se sentia fome, dava-se uma olhadela no relógio para ver que horas eram. Agora o consultamos para saber se temos fome." (pag. 58)
"A velocidade de nossas comunicações valorizou até mesmo as frações de minuto e converteu o homem em um enlouquecido boneco que depende da marcha do segundeiro" (pag.58)
"A massificação suprime os desejos individuais, porque o Superestado necessita de homens-coisas intercambiáveis, como peças de reposição de uma máquina" (pag.65)
"Em nossas grandes cidades já desapareceu essa sensação do tempo cósmico: nossos altos edifícios nos impedem de acompanhar as fases da lua, a marcha das constelações, o nascer e o pôr do sol" (pag.60)
"Os teóricos do mecanicismo sustentaram que a máquina, ao liberar o homem das tarefas manuais, deixaria mais tempo livre para as atividades do espírito. Isso era a teoria. Na prática, as coisas aconteceram ao contrário: cada dia estamos mais apressados e dispomos de menos tempo" (pag.58-59)
"Os patrões, ou o Estado Patrão, buscaram a forma de aumentar o rendimento mediante a densificação do labor humano: cada segundo, cada movimento do operário, foi aproveitado ao máximo e o homem finalmente se converteu em uma engrenagem a mais no grande mecanismo capitalista ou estatal" (pag. 59)
"Eis aqui o triste fim do homem renascentista. A máquina e a ciência que ele orgulhosamente havia lançado sobre o mundo exterior, para dominá-lo e conquistá-lo, agora se voltam contra ele, dominando-o e conquistando-o como mais um objeto qualquer. Ciência e máquina foram-se distanciando até um olimpo matemático, deixando só e desamparado o homem que havia dado vida. Triângulos e aço, logaritmo e eletricidade, sinusoides e energia atômica, estranhamente unidas às formas mais misteriosas e demoníacas do dinheiro, constituíram finalmente a Grande Engrenagem, da qual os seres humanos acabaram sendo obscuras e importantes peças" (pag.66)
- Nossa, como é atual este filme! Volto aqui as palavras de minha irmã para dar continuidade ao nosso ensaio. As duas linguagem formam uma cena em nossas mentes; O trabalho.
A palavra Trabalho em sua etimologia, vem de tripalium (ou trepalium), do Latim Tardio, um instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão, onde eram supliciados os escravos. Reúne o elemento " tri" (três) e " palus" (pau) - literalmente, "três paus". Bom, muitos hoje em dia acham o seu trabalho torturante não é mesmo? Mas a mensagem que quero transmitir aqui com as nossas inquietações vai além...
O título do nosso ensaio constitui em: "A Humanização das máquinas", mas poderia chamar-se também de "A Desumanização do homem", pois o que vemos a cada dia mais e mais é o homem desorientado, desraizado do mundo. Mundo este em que ele não pode ser apenas meros observadores, e engrenagens... ele deve lutar. Lutar por que?
Outrora, o mesmo homem venceu as dificuldades exposta à ele pela natureza: frio, calor, gelo, água... mas a cada superação do homem ele vivia mais prazerosamente. Hoje, o homem deixou de viver para sobreviver...
O homem sobrevive... e, enquanto ele não deixar morrer a arte como um todo, ainda temos esperança de um mundo em que deixaremos de sobreviver para vivermos Intensamente. E obras como a de Charlie Chaplin e Ernesto Sábato, trabalham em nós como uma marreta. Derrubando cada muro de certezas e confianças que temos, e através de ruínas, e entulhos de nós mesmos, voltamos a grande tarefa de construir-nos bases, alicerces e colunas mais fortes para os nossos sentidos.
"A vida é maravilhosa se não se tem medo dela".
(Charlie Chaplin)
Acho vc tão novo para escrever com tanta profundidade!
ResponderExcluirParabéns! um trabalho digno de ser lido por todos quantos quiserem entender os conflitos, nos quais o homem se envolve apesar do ritmo acelerado da humanidade, que parece construir coisas mensuráveis , rentáveis e não mais se preocupar com a construção de sentimentos e de uma sociedade melhor,independente do regime político a que se submete ou escolhe.
Obrigado Katia pela mensagem digna de alguém que luta. Principalmente para recuperar o muito de humanidade
Excluirque deixamos para trás...
Concordo com você. Não construímos mais sentimentos. Eles são fabricados, testados, recebem selo de qualidade
e código de barra. Depois somos forçados a adquiri-los. Perdemos o ato de escolher...
Cabe agora para todos nós o ato de recuperar. Que tal começarmos pela Utopia do possível? Que tal a Liberdade.
Liberdade que nas palavras de Sábato fica mais clara e objetiva:
" Acredito que a liberdade nos foi destinada para cumprir-mos uma missão na vida; sem liberdade nada vale a pena. E mais: acredito que a liberdade a nosso alcance é maior do que aquela que ousamos viver".
Grato.
Danilo Pereira
Lindo o seu blog e a sua cabeça. Parabéns! És brilhante! Beijos
ResponderExcluirObrigado pelas palavras de alguém que conhece muito bem a escrita!!!Fico feliz por você ter gostado...
ResponderExcluira literatura que é realmente brilhante!!! E nos favorece no momento que ilumina nossos caminhos.
Grato.
Danilo Pereira!!!
Belíssimo trabalho. Obrigada por compartilhar com o mundo seus estudos e conhecimento. Parabéns.
ResponderExcluir