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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Memórias do Subsolo sobre um Leite Derramado





O objetivo deste ensaio é fazer uma comparação de personagem principal, tanto da obra Memórias do Subsolo ( Fiódor Dostoiévski) com a obra  Leite Derramado (Chico Buarque de Holanda).
A obra literária do russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) é considerada pela crítica como uma obra filosófica. Em especial “Memórias do Subsolo” retrata bem esses aspectos tão intensos do pensamento humano. É um romance dramático e com muita força emocional em que manifesta uma introspecção verrumante contida na voz do protagonista, voz por excelência polifônica, pois anuncia as vozes da sociedade em que ataca o racionalismo e o princípio econômico.
O homem do “subsolo” é aquele que está abaixo de tudo, o homem em seu esconderijo, e por estar nessa situação, esse homem, investe ferozmente contra a ciência, superstição, progresso, etc. Mas acima de tudo contra o solo da consciência.
Seu protagonista é um homem de 40 anos, vivendo em um lar precário, sofrendo do fígado. E reclamando de tudo na sociedade. Esse personagem se coloca acima de todos os homens, mas vive esse paradoxo, por este estar abaixo da sociedade. É o homem que se considera maior, mas é incapaz de subir ao patamar dos “simples homens”, assim sendo, nos dá entender que em qualquer século e em quaisquer sociedades, o homem sempre será um paradoxo; (extrapola o senso comum, ou seja, a lógica).
Já em Leite Derramado, o protagonista é um velho de 100 anos de idade que está em um leito de hospital esperando o fim de sua vida. E nesta rotineira paciência ele desfia um monologo dirigido a quem quiser ouvir de suas memórias, mostrando a saga de sua família marcada pela decadência e pelo sofrimento.  O velho se chama Eulálio (que significa bom orador), só fala pelos cotovelos, embaralhando o tempo, retratando acima de tudo a trajetória do Brasil e mostrando que crescemos sobre a sombra da escravidão. O narrador é frio e arrogante.
Se em Memórias do subsolo temos um homem que se vê como superior, mas incapaz, pois não tem nem sequer o solo a apoiar-se. Em Leite Derramado temos o homem vivendo em plena decadência, o típico proprietário sem propriedade. Daí apenas uma das comparações entre esses personagens.
Foquemos no primeiro parágrafo de Leite Derramado:
“Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina. Você vai dispor dos rendados, dos cristais, da baixela, das jóias e do nome da minha família. Vai dar ordens aos criados, vai montar no cavalo da minha antiga mulher”.
Agora focamos no primeiro parágrafo de Memórias do Subsolo:
“Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Alias, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído para não ter nenhuma superstição, mas sou supersticioso.”)
Nos dois textos entendemos uma voz sofrida, amargurada contento apenas a dor. Em Leite Derramado, o personagem diz: “Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância (...); acentuando que a infância é melhor do que a realidade de hoje, invocando assim um tempo que só existirá na nossa memória, que não voltará, e por isso sofremos.
(...) “não é por causa da morfina (...)” note-se nessa frase a riqueza de significados. Morfina é o medicamento que alivia a dor, aqui temos tanto uma dor carnal, por Eulálio estar morrendo, e uma dor espiritual. Mas essa dor espiritual Eulálio só alivia com a sua “feliz infância.”
Agora em Memórias do Subsolo quando o protagonista diz nessa sequencia decrescente: “Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Essa sequencia dá para perceber que o narrador vai se rebaixando, por a lógica sugerir que “estar” desagradável gera o mau e o mau físico gera a doença. Isso só mostra que esse homem sofre de uma dor maior que a física: “a dor da consciência”
 “Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos”. Esse tratamento não é apenas físico, é também psicológico. O narrador é orgulhoso, não aceita ajuda.  “medicina e médicos aqui está expondo o tratamento da sociedade. O narrador respeita, mas não necessita da ajuda. Tem que passar por tudo isto como um fado que carrega. Sua fraqueza o impede de pedir ajuda.
Embora escritas em tempos diferentes, nas duas obras há um interesse familiar: descortinar a alma do ser humano e suas inquietudes, angústias, sonhos, desejos e principalmente sua dor. Dor existencial.




Um comentário:

  1. Já que a vida é uma imitação da arte,e vive-versa então porque imitar justamente os cabeças angustiantes? Acho que vou vestir a minha fantasia de Apolo, já que se não saio de Dionisio mesmo, e isso não é por escolha moral, mas por pura incompentencia mesmo...
    Um grande abraço

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