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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Laranja Mecânica e Capitães da Areia: Tortura para quê?


Este ensaio tem como objetivo aproximar a obra "Capitães da Areia" do escritor brasileiro Jorge Amado(1912-2001), com a obra distópica de Anthony Burgess(1917-1993): "Laranja Mecânica".
Os dois autores trabalham com o enredo central onde jovens vão contra as normas da sociedade, cometendo crimes e desavenças. Nosso recorte será na abordagem apenas para os capítulos onde ambos autores trabalham a imagem da tortura
Na obra "Capitães da Areia", abordaremos o capítulo em que Pedro - Bala (protagonista do romance) é levado para o reformatório, e lá sofre as torturas com sinais de repreensão e de  ensinar bons modos.
Já na novela de Burgess, Discutiremos o capítulo em que Alex, (protagonista do livro) é tratado com técnicas "pavlovianas" de condicionamento: pavloviana é traduzida como lavagem cerebral. Desta forma um tipo de tortura. Alex, depois de ser levado para a cadeia, é visto como uma cobaia para um novo experimento, em que nas palavras do diretor da cadeia fica mais claro o objetivo:

"Podem ser tratados melhor de uma forma puramente curativa. Mate o reflexo criminoso, e pronto" (pag.94) (...) “Voce deverá ser transformado em um bom garoto, 6655321. Nunca mais terá qualquer desejo de cometer atos de violência contra a Paz do Estado” (pag.96)


Alex é posto em uma cadeira onde tem seus olhos fixados apenas na tela de um cinema onde passa apenas cenas de violência e horror. Entretanto, para Alex isso era legal, mas a reação é outra: ele começa a se sentir muito mal, implorando para pararem com aquela experiência. Depois, Alex pede uma explicação para o Dr. Brodsky responsável pelo tratamento. O Dr. Responde:

“-Voce se sentiu mal esta tarde- disse ele- porque está ficando melhor. Quando somos saudáveis, reagimos à presença do que é odioso com medo e náusea. Voce está ficando saudável, é só isso” (pag.110)


Após muitas outras secções de experiências torturadoras, Alex é solto. Tem sua liberdade de volta, porém não é um homem livre de verdade. Fica sem reação de ir contra:

“Eles transformaram você em alguma coisa que não um ser humano. Voce não tem mais o poder de decisão. Voce está comprometido com atos socialmente aceitáveis, uma maquininha capaz de fazer somente o bem” (pag.158). 

Notamos que Alex tornou-se apenas uma pessoa que aceitará a todos e a tudo. Ele é impossibilitado de se revoltar, de ir contra. Com isso, em uma sociedade totalmente massacrante e opressora, Alex estará condenado a submissão; ao fracasso; ao silêncio.

"Laranja Mecânica" faz parte de uma trindade distópica que coroa a ficção científica do século XX. O livro de Burgess divide com "1984", de George Orwell, e "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, a honra de criar um dos cenários mais apocalípticos da literatura de todos os tempos. 








Em 1971, sobre a direção do cineastra Stanley Kubrick, o romance ganhou as telas do cinema. É considerado pela crítica como um dos 100 melhores filmes de todos os tempos.






 Já na obra de Jorge Amado, Pedro-Bala é levado para o reformatório depois de ser pego por furto. É intimado a denunciar onde é o esconderijo dos capitães da areia. Pedro Bala recusa a entregar seus amigos, com isso é espancado por 2 soldados. Mas resiste. É levado para a cafua (uma sela pequena, miserável, uma caverna). Neste quarto, Pedro Bala nem podia se mexer direito, impossibilitado até mesmo de esticar suas pernas. Seu corpo sofre como nas palavras do narrador:

“Era totalmente cerrado o quarto, a escuridão era completa. O ar entrava pelas frestas finas e raras dos degraus da escada. Pedro Bala, deitado como estava, não podia fazer o menor movimento. Por todos os lados as paredes o impediam” (pag.197)






 

“Grita, xinga nomes. Ninguém o atende, ninguém o vê, ninguém o ouve. Assim deve ser o inferno. Pirulito tem razão de ter medo do inferno. É por demais terrível. Sofrer sede e escuridão” (pag.200)

 

"Quantas horas? Quantos dias? A escuridão é sempre a mesma, a sede é sempre igual. Já lhe trouxeram água e feijão três vezes. Aprendeu a não beber caldo de feijão, que aumenta a sede. Agora está muito mais fraco, um desânimo no corpo todo. O barril onde defeca exala um cheiro horrível. Não retiraram ainda. E sua barriga dói, sofre horrores para defecar. É como se as tripas fossem sair. As pernas não ajudam. O que mantém em pé é o ódio que enche o coração” (pag.203) 

Poderíamos citar inúmeras passagens do romance, onde Pedro Bala, e seus companheiros sofrem torturas, porém pela comovente descrição deste horror, é bem fácil notar que esta prática ao invés de reverter a situação, faz o contrário.  mesmo porque o que faz Pedro Bala ainda ter forças é o ódio em seu coração pela vingança.
Diante destes fatos podemos observar que no romance "Laranja Mecânica", o protagonista Alex sofre uma tortura cerebral, que reflete em seu corpo (submisso), já em Capitães da Areia,  Pedro Bala sofre tortura em sua própria pele onde esta refletirá em sua mente, pois  Pedro não consegue dormir, tem pesadelos, sonha com ratos que desfiguram o rosto de Dora. etc.
Nesta parte chegamos a abordagem central de nosso ensaio: A finalidade da tortura.
Para quê e por quê? 
A palavra tortura vem do verbo torcer. A tortura faz torcer algo. virar;dobrar, fazer voltar sobre si. 
O que ocorre nas duas obras é que nem Pedro Bala, nem Alex, estão adequado ao sistema que estão inseridos, por isso devem ser expostos as práticas de tortura, onde recuperarão a sua essência, pois acreditamos ainda em que o homem nasce bom, mas a verdade é exposta claramente nas duas obras. Depois de tais procedimentos, nenhum dos personagens irá recuperar a sua bondade que acreditamos que há em sua essência. Pedro Bala, nunca deixará de ter ódio, e Alex sempre será submisso, controlado, servirá apenas de marionete.
Notamos que a prática de tortura, apenas aniquila mais e mais a essência do individuo que passa por tal ato. ato desleal, que deixará sempre uma marca, e nunca a uma solução.


 

 

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Amargura, solidão e o desespero nas palavras de Emil Cioran e nas cores de Edvard Munch

O objetivo deste ensaio é aproximar a obra do Filósofo romeno Emil Cioran, com as pinturas do artista Edvard Munch (ícone do expressionismo).
Para a tal artimanha, realizaremos uma leitura dos quadros de Munch sobre a visão e os pensamentos angustiantes de Cioran. Não deteremos em fazer uma análise dos quadros e nem dos textos. Nosso exercício constituirá em transcrever as pinturas sobre o prisma das palavras. Na verdade uma metodologia difícil e muito provocadora, porém como afirma Cioran
"Não sei o que responder, o máximo que posso fazer é surpreendê-lo ou decepcioná-lo".

Antes de mergulharmos neste esboço, cabe a todos nós um pouco da vida de cada artista.

Evard Munch (1863-1944), pintor norueguês, nasceu na cidade de Löyten, no ano de 1863. Foi um dos poucos pintores escandinavos a ter sucesso mundial.
Teve uma infância traumática, que pode ser notada em grande parte de sua obra. Sempre um mergulho numa profunda reflexão sobre a condição e o destino humano. Munch aprofundou-se na sordidez, no mundo dos degenerados, dos loucos, da miséria; viveu uma época trágica. Assistiu à ascensão e as primeiras vitórias do nazismo e foi perseguido preso e espancado. Denunciou, em seus quadros, o totalitarismo e a guerra.  É considerado uns dos pioneiros do movimento “Expressionismo”.
Em 1908 sofreu um colapso mental, ocasionado pelo álcool, pelo excesso de trabalho e por um frustrado caso amoroso com uma mulher casada. Foi internado numa clínica de Copenhague. Saiu meses depois e voltou para Noruega onde morou até falecer.

Destacou-se como um dos mais importantes artistas europeus, Munch só obteve reconhecimento ao fim de sua vida e depois de sua morte. O expressionismo moderno desenvolveu-se, como escola definida, a partir dele e de Van Gogh.



Emil Cioran (1911-1995), escritor e filósofo romeno radicado na França, exaurindo seu interesse pela filosofia conservadora, já na juventude, Cioran criticava o pensamento sistemático e a especulação abstrata, defendendo as reflexões pessoais e o lirismo apaixonado.
Suas obras retratavam frequentemente uma atmosfera de tormento e tortura, situações que Cioran viveu e que vieram a ser dominadas pelo lirismo, sempre propenso a expressar sentimentos violentos.
Atraído pelo que ele mesmo chama de "naufrágio", pelo brilho do nada de tudo o que vive, Cioran interroga a vida, em todas as suas formas, e questiona os sentidos que a ela são atribuídos. 
Cioran permanece em nós principalmente pela sua postura  provocadora. Uma postura de quem não aceita adaptar-se ao mundo, e como ele mesmo nos diz:
"Não queremos mais suportar o peso das verdades, 
continuar sendo suas vítimas ou seus cúmplices. 
Sonho com um mundo em que se morreria por uma vírgula"


Para  procedimento em nossa empreita, além de algumas pinturas de Munch, trabalharemos com o livro "Silogismo da Amargura" de  Cioran.

, Melancolia, 1894-1896

 “Muito antes da física e da psicologia nascerem, a dor desintegrava a matéria e a angústia, a alma”


“Não encontrei no edifício do pensamento nenhuma categoria sobre a qual descansar a minha cabeça. Em compensação, que travesseiro o caos”



“Sofremos: o mundo exterior começa a existir...; sofremos demasiado: ele desaparece. A dor só o suscita para desmascarar sua irrealidade”



“Entediar-se é mascar tempo”



“A tristeza: um apetite que nenhuma desgraça satisfaz”



“Nada Mata minha sede de dúvidas: se tivesse o bastão de Moisés para fazê-las brotar até da rocha!”



“O tédio é uma angústia larvar; a melancolia, um ódio sonhador”


Separação 1900



“Só se entregam ao tédio as naturezas eróticas, decepcionadas de antemão pelo amor”

“Um amor que acaba é uma experiência filosófica tão rica que faz de um cabeleireiro um êmulo de Sócrates”

“Sonho ás vezes com um amor longínquo e vaporoso como a esquizofrenia de um perfume”

“Mescla de anatomia e de êxtase, apoteose do insolúvel, alimento ideal para a bulimina decepção, o Amor nos conduz a ralés de glória...”


Gólgota-1900

“Sem a vigilância da ironia, como seria fácil fundar uma religião! Bastaria deixar os curiosos agruparem-se em torno de nossos transes loquazes”

“O segredo de um ser coincide com os sofrimentos que espera”

“No Antigo Testamento sabia-se intimidar o Céu, se o ameaçava com o punho: a oração era uma disputa entre a criatura e seu criador. Para reconciliá-los chegou o Evangelho: esse foi o erro imperdoável do cristianismo”

“Mais ainda que a religião, o cinismo comete o erro de atribuir demasiada importância ao homem”



O grito- 1893

"Sou como uma marionete quebrada cujos olhos tivessem caído para dentro"

"Que tristeza ver grandes nações mendigarem um suplemento de futuro"

"Escutem os alemães e os espanhóis explicar-se: farão ressoar em seus ouvidos sempre a mesma cantilena: trágico, trágico... É sua maneira de fazer-nos compreender suas calamidades ou suas estagnações, sua forma de triunfar,,,"

Os tiranos, uma vez saciada a sua ferocidade, tornam-se inofensivos;tudo voltaria ao normal se os escravos, ciumentos, não pretendessem também saciar a sua. A aspiração do cordeiro a converter-se em lobo suscita a maioria dos acontecimentos. Quem não tem presas, sonha com elas; deseja devorar por sua vez e o consegue pela brutalidade do número.
A história, esse dinamismo das vítimas"

Todas as calamidades- revoluções, guerras, perseguições- provém de um equívoco inscrito sobre uma bandeira"

"Quanta concentração, quanto esforço e tato são necessários para destruir nossa razão de ser!"

Ao final de nosso trabalho não há outro sentimento se não, a amargura coagulando em nosso estado de reflexão à realidade. Realidade que não é apenas de Emil Cioran e de Edvard Munch; é a nossa realidade que semelhantemente a pintura "O Grito" nos olha perplexo. Pois somos sua imagem e semelhança. Seres multifacetados com a realidade, somos feridos por nossas próprias mãos. Somos feridos por um machado que deixa apenas uma cicatriz interminável em nosso ser. Cicatriz que o tempo como afirma Cioran:

"O Tempo está proibido para mim. Não podendo seguir sua cadência, agarro-me a ele ou o contemplo, mas nunca estou dentro dele: não é meu elemento. E em vão espero um pouco de tempo dos outros"

Então caros amigos e leitores; por não nos encontrarmos no tempo; na nossa realidade e muito menos em nosso próprio eu, tornamos indivíduos rejeitados por nós mesmos. 
Isso é bom? É mau? É angustiante?
Entretanto fica um pequeno (mas grandioso) silogismo de Cioran:
"Só os indivíduos rachados possuem aberturas para o além"
Emil Cioran